Charles R. Goulding e Andressa Bonafe destacam os avanços revolucionários do Brasil em bioprintagem 3D, desde inovações de baixo custo até aplicações pioneiras na medicina e sustentabilidade.
A bioimpressão 3D é uma tecnologia avançada que utiliza células vivas e biomateriais para criar tecidos e órgãos tridimensionais. Essa abordagem revolucionária encontra aplicações em áreas como medicina regenerativa, pesquisa biomédica, desenvolvimento de cosméticos e até na produção de alimentos. Segundo estimativas, o mercado global de bioimpressão 3D deve crescer significativamente, alcançando um valor de mercado de mais de US$ 5.3 bilhões até 2030, impulsionado pela demanda por métodos alternativos ao uso de animais e pela necessidade de inovação em tratamentos médicos. A tecnologia permite reproduzir estruturas biológicas complexas com precisão, abrindo caminho para avanços científicos e soluções mais sustentáveis.
Nos últimos meses, apresentamos importantes desenvolvimentos relacionados à bioimpressão 3D, desde o trabalho inovador do Agile BioFoundry e da Rice University até a aquisição da empresa canadense Aspect Biosystems. Apresentamos também o potencial da bioimpressão na pesquisa sobre lesões cerebrais traumáticas e no desenvolvimento de novos medicamentos. Publicamos também duas entrevistas internacionais com a pesquisadora brasileira Bruna Alice Gomes de Melo e com o CEO da empresa lituana Vital3D Vidmantas Šakalys. Continuamos hoje nossa exploração dos desenvolvimentos recentes na área, trazendo um panorama de iniciativas importantes realizadas no Brasil.
Democratização da bioimpressão
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é uma das principais instituições científicas do Brasil, reconhecida internacionalmente por seu papel no desenvolvimento de pesquisas e tecnologias na área da saúde pública. Recentemente, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em parceria com a Universidade Veiga de Almeida (UVA), criaram uma tecnologia de bioimpressoras 3D de baixo custo e código aberto.
O projeto tem grande potencial comercial e social, especialmente por oferecer uma alternativa acessível ao mercado tradicional de bioimpressoras. Enquanto os preços de modelos tradicionais variam de 13 mil a 300 mil dólares, o modelo desenvolvido pela Fiocruz custa menos de 200 dólares. Essa diferença tão considerável é possível graças ao uso de materiais reciclados e componentes eletrônicos acessíveis. O potencial de democratização de acesso também se faz presente na adoção da abordagem de tecnologia aberta (open-source hardware). Os pesquisadores utilizaram metodologias de código livre e publicaram o passo-a-passo para a construção da bioimpressora em um repositório aberto, o que abre caminho para que grupos de pesquisa com recursos limitados utilizem a tecnologia. Além de acessível, o equipamento demonstrou alta eficiência, com as células na biotinta permanecendo viáveis por mais de sete dias após a impressão, tempo suficiente para diversos experimentos e até procedimentos médicos. Até o momento, dois modelos foram produzidos, sendo que o mais recente está sendo utilizado em pesquisas voltadas à produção de minifígados para transplantes, destacando o impacto promissor dessa inovação no campo da saúde e da pesquisa biomédica.
Pesquisas com células-tronco mesenquimais
Pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) estão utilizando bioimpressão 3D em estudos inovadores com células-tronco mesenquimais, explorando o potencial terapêutico de suas proteínas secretadas, conhecidas como secretoma. Essas células têm sido investigadas em modelos animais para tratar condições como fibrose hepática e lesão pulmonar aguda, demonstrando eficácia na redução de inflamações, regeneração de tecidos e melhoria de marcadores sistêmicos, como citocinas e enzimas hepáticas. A pesquisa, iniciada durante a pandemia de Covid-19, mostra resultados promissores, apontando para aplicações que podem beneficiar pacientes com múltiplas comorbidades, além de contribuir para a preparação frente a desafios de saúde pública relacionados a novas doenças zoonóticas.
O projeto da UERJ se destaca pelo desenvolvimento de biotintas inovadoras, que combinam células-tronco mesenquimais e biomoléculas biocompatíveis em hidrogéis, permitindo a criação de estruturas bioimpressas com alto potencial terapêutico. A biotinta é formulada para maximizar a viabilidade celular e favorecer a produção de secretoma em larga escala, essencial para aplicações regenerativas. A bioimpressão 3D utilizada no estudo foi aprimorada com a inclusão de uma plataforma de regulação térmica, garantindo condições ideais durante o processo de impressão e a polimerização do hidrogel, resultando em moldes estáveis para a manutenção celular. Essa abordagem permite criar materiais biológicos personalizados e otimizados, que podem ser utilizados para tratamentos mais eficazes em doenças concomitantes, como fibrose hepática e lesão pulmonar aguda. Com esses avanços, o projeto não apenas amplia as fronteiras da medicina regenerativa, mas também posiciona a UERJ como referência global no uso de bioimpressão para terapias inovadoras.
Testes de cosméticos
Desde 2019, a Natura, uma das maiores empresas brasileiras de cosméticos, e a Universidade de São Paulo (USP) estabeleceram uma parceria pioneira para criar pele artificial por meio da bioimpressão 3D. Esse avanço permite desenvolver métodos éticos e sustentáveis para testes de cosméticos, eliminando a necessidade de experimentos em animais. A pesquisa utiliza biotintas formadas por células e biomateriais, aplicadas camada por camada para construir tecidos que simulam a epiderme e a derme humanas. Além de replicar aspectos funcionais da pele, como barreira e regeneração celular, a tecnologia reduz custos e acelera o desenvolvimento de produtos.
O processo de pesquisa foi realizado em conjunto com o Instituto de Ciências Biomédicas da USP, que contribuiu com a expertise científica para otimizar as condições de impressão e a composição dos tecidos bioimpressos. A colaboração reforça o compromisso da Natura com inovação e sustentabilidade, alinhado a tendências globais de regulamentação que incentivam métodos alternativos aos testes em animais. A bioimpressão também oferece potencial para expandir aplicações em outras áreas, como a criação de tecidos para pesquisa farmacêutica e desenvolvimento de tratamentos médicos.
Startups inovadoras
A BioEdTech é uma empresa brasileira inovadora que atua na área de bioimpressão 3D, focada em pesquisa, desenvolvimento e capacitação tecnológica. Com o objetivo de democratizar o acesso a soluções biotecnológicas, a empresa oferece sistemas de bioimpressão modulares e personalizáveis, além de cursos que abrangem desde a construção de bioimpressoras até aplicações avançadas. Seus produtos incluem bioimpressoras, cultivos celulares em 3D e alimentos bioimpressos, como alternativas à carne tradicional. A empresa também desenvolve tecnologias sustentáveis para cosméticos e outras indústrias. Entre suas realizações, destacam-se iniciativas em bioimpressão de alimentos e modelos dérmicos para testes de cosméticos, reduzindo o uso de animais. A BioEdTech promove um ecossistema colaborativo, integrando empresas e instituições de pesquisa para atender às demandas biotecnológicas emergentes. Com mais de 400 horas de aulas oferecidas e tecnologias pioneiras, a empresa se posiciona como referência na biofabricação, contribuindo para avanços em saúde, sustentabilidade e educação tecnológica no Brasil.
A 3DBS é uma startup brasileira inovadora, criada em 2017, que tem desempenhado um papel importante na construção do futuro da medicina regenerativa no país. Sua atuação inclui o desenvolvimento de modelos in vitro, como pele bioimpressa, barreiras intestinais e esferoides hepáticos, que substituem o uso de animais em testes de segurança e eficácia para cosméticos, medicamentos e alimentos. Utilizando tecnologias avançadas como bioimpressão 3D e eletrofiação, a empresa também cria scaffolds personalizados e bioimpressoras adaptadas às demandas específicas de seus clientes, promovendo soluções sustentáveis e éticas para a pesquisa biomédica.
Inspirada nas estruturas naturais, a 3DBS é referência em biofabricação de tecidos biomiméticos, combinando inovação tecnológica com aplicações práticas em engenharia de tecidos. A empresa desenvolve equipamentos e presta serviços de biofabricação, contribuindo com a criação de modelos alternativos que apoiam pesquisas funcionais e reduzem impactos ambientais. A 3DBS acredita na colaboração e no avanço conjunto como pilares para transformar a medicina regenerativa, abrindo novos horizontes para aplicações científicas e clínicas.
Conclusão
No Brasil, a bioimpressão 3D tem sido adotada em projetos pioneiros por instituições como a Fiocruz e a UERJ, além de empresas como a 3DBS e a BioEdTech. Exemplos notáveis incluem o desenvolvimento de bioimpressoras acessíveis para a criação de tecidos, bem como o uso de biotintas inovadoras em pesquisas terapêuticas com células-tronco. A parceria entre a Natura e a USP também se destaca, empregando bioimpressão para criar modelos dérmicos utilizados em testes de cosméticos, eliminando a necessidade de experimentação animal. Esses projetos demonstram o potencial do Brasil em liderar iniciativas que combinam ciência de ponta com acessibilidade e sustentabilidade.